O trabalho de Marcelle Souza, vencedora do 1º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, foi publicado hoje com destaque na página 6, no caderno Mercado da Folha de S. Paulo. Marcelle é recém-formada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. O Instituto Vladimir Herzog, idealizador do prêmio, escolheu José Hamilton Ribeiro como tutor do trabalho da jovem jornalista. Ribeiro é um dos maiores jornalistas do País e o único brasileiro a cobrir a Guerra do Vietnã. Atualmente seu trabalho pode ser conferido nas reportagens do programa Globo Rural, exibido aos domingos de manhã na televisão.
O outro trabalho premiado, de autoria dos estudantes do Mackenzie, Renato Santana e Leandro Siqueira, é o documentário “Quanto vale um egresso?”. A veiculação da matéria está em fase de negociação com emissoras de televisão. O regulamento do 2º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão já está disponível no site www.vladimirherzog.org. Participem!
Confiram abaixo o trabalho de Marcelle:
Agrotóxicos afetam comunidade em MS
Agricultores de Fátima do Sul apresentam náuseas, depressão e cometem suicídio após usarem inseticidas
Problema se agrava porque os lavradores não têm ou não sabem usar equipamentos para se proteger do veneno
MARCELLE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A tristeza aparente aponta que é dia de velório. O cheiro, que atravessa os cômodos, faz parentes e curiosos saírem para o quintal. O odor expõe o motivo daquela morte: Mauro de Souza Lucas cometeu suicídio com veneno da lavoura de algodão.
A cena, na zona rural do município de Fátima do Sul (MS), seria um caso isolado se o cheiro não fizesse parte de outros velórios ali.
Lucas havia brigado com um irmão em uma festa de fim de ano e, de volta para casa, foi direto para o quarto dos agrotóxicos. Escolheu um dos mais fortes e bebeu.
"Um vizinho levou-o para o hospital, ele acabou de morrer lá", diz Antônia de Souza Lucas, 64, "uns 14" filhos. "Era veneno brabo, não lembro o nome, mas era veneno de algodão, fedido."
O episódio ocorreu há quase dez anos, mas o cheiro do velório ainda não saiu do nariz de Antônia. Mauro tinha 26 anos quando morreu.
Ela não sabe por que o filho se matou. "Era uma nervosia, muita raiva, ele pôs na cabeça e se matou logo."
FALTA DE PROTEÇÃO
Fátima do Sul, cidade de 18 mil habitantes a 242 km de Campo Grande, foi criada em 1943 no governo Getúlio Vargas como polo agrícola.
Predominam os sítios de três a dez hectares de imigrantes nordestinos.
Ali, fala-se dos nomes de agrotóxicos com intimidade: Barrage, Folidol, Azodrin, Tamaron, 2,4D e 3,10.
A maioria desses produtos pertence à família dos inseticidas organofosforados, derivados do ácido fosfórico, e são usados para combater pragas em culturas diversas.
A maioria desses produtos pertence à família dos inseticidas organofosforados, derivados do ácido fosfórico, e são usados para combater pragas em culturas diversas.
O contato com eles alterou o conceito de saúde dos agricultores. Quase todos se referem a dor de cabeça, náusea e coceiras, além do cheiro inconfundível. Fora os casos de intoxicação aguda em que os sintomas mais graves surgem logo após a exposição.
Muitos lavradores não têm, não usam ou não sabem usar corretamente os equipamentos de proteção, como máscaras e macacão, nem têm orientação sobre como armazená-lo ou se desinfetar após aplicar o veneno.
DEPRESSÃO
Assim como as náuseas, sintomas de depressão tomam conta das conversas nos sítios. Antônia lembra que o filho começou a ficar "esquisito" antes de morrer.
Para Dario Xavier Pires, químico e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) que há uma década estuda os casos de suicídio no município, os sintomas são evidentes no contato com produtores e nas conversas informais com profissionais da saúde locais.
A psiquiatra paulista Jussinalva Aguiar explica que "normalmente os casos de suicídio estão ligados a quadros depressivos" que passam despercebidos na rotina do trabalhador rural.
Segundo Jussinalva, o tipo de agrotóxico usado no algodão inibe a enzima acetil-colinesterase, causando acúmulo do neurotransmissor acetilcolina e a consequente superestimulação das terminações nervosas.
"A intoxicação por agrotóxico causa variações qualitativas e quantitativas nas sinapses, que agem na alteração do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos como manias e agitação."
Em 2004 e 2005, um grupo de pesquisadores da UFMS -entre eles Pires- fez um levantamento sobre os estados depressivos e os níveis da enzima colinesterase em 261 agricultores expostos a organofosforados no município.
Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso de agrotóxicos, e 30 apresentaram distúrbios psiquiátricos menores (DPM). Três tentaram o suicídio.
RANKING
Em números absolutos, Mato Grosso do Sul ocupava, em 2002 (último ano disponível), o quarto lugar em suicídios de homens e o segundo de mulheres no Brasil.
No índice de morte por ingestão intencional de agrotóxicos mantido pela Secretaria de Estado de Saúde de MS, a macrorregião geográfica de Dourados (Fátima do Sul mais 14 municípios) lidera. De 1992 a 2002, houve 203 tentativas registradas e 63 mortes por envenenamento.
A cidade de Dourados tem o maior número de tentativas, mas há ali alta incidência de suicídios entre os índios guarani-kaiowá, resultado, sobretudo, do processo de confinamento.
O segundo lugar é de Fátima do Sul. Depois de Mauro, outros dois filhos de Antônia, Jonas e Luiz, também se mataram em um ano. Uma terceira, Cecília, tentou. Levantamento da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) para a consultoria alemã Kleffman Group aponta o Brasil como o país que mais consome agrotóxicos.
Em 2008, foram gastos U$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões dos EUA, em segundo.
O Serviço de Informações Tóxico-Farmacológicas do Ministério da Saúde registrou, em 2007, 112,4 mil casos de intoxicação. Estima-se que haja subnotificação.
O Ministério da Saúde não tem estudos nem política preventiva de suicídio na zona rural -há divergência entre os pesquisadores sobre a correlação direta entre depressão e agrotóxicos.
"Os estudos feitos nessas populações não são determinantes e ainda não conseguiram comprovar a relação", diz Ângelo Zanaga Trapé, médico toxicologista e professor da Unicamp.
SEM CAUSA-EFEITO
A Andef ressalta que o crivo científico com que são avaliados todos os defensivos agrícolas registrados no Brasil é um dos mais restritivos do mundo, demonstrando extrema preocupação com a segurança dos produtos utilizados nas lavouras.
A Andef entende que não há relação causa-efeito entre agrotóxicos e suicídios comprovada nos estudos citados.
"As colocações feitas pelo dr. Ricardo Nogueira, médico psiquiatra autor da tese de dissertação de mestrado "Promoção da Vida e Prevenção de Suicídios no RS" são válidas, havendo a necessidade de estudos adicionais para se comprovar cientificamente essa relação", diz.
MARCELLE SOUZA é recém-formada em comunicação social com habilitação em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e ganhadora do 1º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog.
Marcelle
ResponderExcluirNão é à toa que você foia primeira colocada do prêmio. Eu acabei de ler sua matéria,muito bem escrita, muito importante na mensagem que quer passar, e passa.
Existe um livro chamado "O futuro roubado", de Theo Colborn, Dianne Dumasoski e John Peterson Myers que fala sobre a contaminação do meio ambiente pelos agrotóxicos, fala dos animais...das pessoas, vale a pena ler. Ele é meio que a continuação de Silent Spring, de Rachel Carson, obra fundamental.
Marcelle, continue a nos mostrar a realidade do campo, continue a escrever, parabéns, um beijo
Virgínia
Parabéns, vc merece este e muitos outros prêmios que fará vc brilhar muito, sucesso sempre, meu e da tia.
ResponderExcluirAngelo Pai.
Ótima matéria, com certeza terás um futuro brilhante.
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