sexta-feira, 16 de abril de 2010

O passado como pesadelo


O passado como pesadelo


A Justiça brasileira, soberana, já se pronunciou sobre os exilados e já sentenciou que Vladimir Herzog foi preso, torturado e morto pelo governo militar. Portanto, o general Leônidas Pires Gonçalves deturpa a história ao afirmar em entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto que Vlado se suicidou e que não havia torturas dentro do Doi-Codi contradizendo os depoimentos feitos em livros e reportagens por todos os torturados, alguns deles associados a este Instituto.


O Instituto Vladimir Herzog estará sempre atento contra aqueles que queiram desrespeitar qualquer direito básico do cidadão. Devemos dizer que manifestações como a desse general, que defende o uso criminoso do aparelho do Estado para torturar e matar (não importa quem) é algo que a democracia brasileira conseguiu superar. É preocupante, no entanto, que mentalidades como essa ainda existam e a imprensa faz bem em denunciá-las.
Instituto Vladimir Herzog

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O passado como pesadelo



Tentando desqualificar os que deixaram o país em consequência do golpe militar de 64, o general Leônidas Pires Gonçalves de repente diz ao repórter Geneton Moraes Neto: “não tivemos exilados no Brasil. Tivemos fugitivos. Não houve um decreto de exilar ninguém”. A entrevista, que foi ao ar esta semana pela Globonews mas ainda pode ser vista no blog do jornalista, é indispensável para quem quiser conhecer um pouco da mentalidade dos que naquela época detinham o poder no Brasil de forma quase absoluta, fazendo e acontecendo durante um regime de exceção em que as liberdades _ de imprensa, de expressão, de opinião _ haviam sido canceladas. A ditadura decretava as leis e se impunha como legalidade.
         Algumas vezes levantando a voz e se exaltando, outras com o dedo em riste, o militar que comandou o DOI-CODI no Rio (onde garante não ter havido tortura) expôs suas idéias sem qualquer pudor, como se elas não tivessem perdido a validade há muito tempo. Cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos significaram para ele medidas “altamente civilizadas”. Soldado, na sua definição, é “o cidadão de uniforme para o exercício físico da violência” (“quer guardar a frase?”, ele pergunta ao entrevistador). “A ideia foi minha!” (de pagar 150 mil cruzeiros a um dirigente comunista em troca de uma delação que resultou em três mortes e no chamado “Massacre da Lapa” em SP). “Quem começa a guerra não pode lamentar a morte. É duro de ouvir? É duro de ouvir?”, repetiu.
         Quando o general afirmou que “todos eram fugitivos” _ inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador Miguel Arraes, Luis Carlos Prestes, o ex-governador Leonel Brizola _ Geneton argumentou: “Se não eram exilados, por que é que o governo militar promulgou uma Lei da Anistia permitindo que eles voltasssem ? Se não existiam exilados, para  que uma Lei da Anistia?”
         O general Pires Gonçalves respondeu com essa pérola do raciocínio lógico: “Acontece o seguinte: eles estavam assustados. Nós dissemos para eles: podem vir, não há perigo nenhum. Mais do que fugitivos, eram assustados”. Decididamente, o forte do general não é a argumentação.
         Sobre sua participação nessa antológica entrevista, Geneton confessou: “Sinto-me feliz hoje de viver num país em que os repórteres podem ‘importunar’ os generais”. Conforta também saber que esse passado é um pesadelo que não volta mais, espera-se.

Zuenir Ventura - O Globo