sexta-feira, 30 de março de 2012

Apoio à decisão da Comissão de Direitos Humanos da OEA


 A decisão da CIDH-Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA-Organização dos Estados Americanos de notificar o Brasil e investigar o assassinato de Vladimir Herzog no DOI-Codi de São Paulo, em 1975, merece o apoio de todos aqueles que propugnam a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos.

Essa decisão é mais uma demonstração da importância dos protestos contra esse assassinato, manifestados desde o primeiro momento por Clarice Herzog, por jornalistas, religiosos, políticos, pessoas das mais diversas áreas e campos de atuação. E do valor desses protestos para a História recente de nosso País e para seu futuro, pois foi a partir deles que começou a ruir a ditadura, para dar lugar ao regime democrático que hoje vivemos.

Sendo o Brasil signatário da Convenção Americana – o que a torna lei no Brasil pela própria Constituição Federal – nosso Governo deverá agora dar resposta, em 60 dias, à CIDH, a qual, caso não se julgue satisfeita, poderá levar o caso à Corte Interamericana da OEA, cujas decisões são coercitivas para seus países-membros.

Outros países das Américas do Sul e Central que sofreram ditaduras já foram objetos de processos semelhantes da CIDH, casos do Chile, Peru, Argentina, Nicarágua e do próprio Brasil, condenado pela Corte pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia.

O caso emblemático do assassinato de Vladimir Herzog, por agentes da ditadura, já foi reconhecido pela Justiça e pela União, por força de sentença proferida pelo dr. Marcio José de Mores, transitada em julgado; e também no âmbito da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, instituída pela Lei 9.140/95. No entanto ainda não foi investigado para determinar quais foram esses agentes, quais seus nomes, quais seus cargos. E muitos outros casos, não tão conhecidos, ainda carecem de qualquer investigação ou reconhecimento de culpa dos perpetradores.

É pela ausência desses esclarecimentos todos – sem os quais a História do Brasil estará sempre toldada por uma grande culpa nacional que a todos nós abrange – que a decisão da CIDH se reveste de importância ainda maior, na medida em que traz renovado impulso à necessidade de imediata nomeação dos integrantes da Comissão da Verdade e início de sua atuação.

Instituto Vladimir Herzog

quinta-feira, 29 de março de 2012

Estado brasileiro recebe denúncia internacional do caso Vladimir Herzog





Rio de Janeiro, 28 de março de 2012 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abriu oficialmente o Caso Vladimir Herzog, enviando ao Estado brasileiro, nesta terça-feira, dia 26 de março, a denúncia apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIDDH), pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. Estas organizações peticionárias, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog entendem que esta notificação chega em um momento fundamental ao conhecimento do Estado brasileiro, quando os órgãos competentes são chamados tomar decisões que podem assegurar a manutenção do Estado Democrático de Direito, e a garantia da consolidação da democracia no Brasil.


Este caso é mais um exemplo da omissão do Estado brasileiro na realização de justiça dos crimes da ditadura militar cometidos por agentes públicos e privados.


Até o presente momento, apesar das tentativas no âmbito da justiça interna, o Estado não cumpriu com seu dever de investigar, processar, e sancionar os responsáveis pelo assassinato de Vladimir Herzog.
Conforme denunciado à Comissão Interamericana, o jornalista foi executado após ter sido arbitrariamente detido por agentes do DOI/CODI de São Paulo. A morte de Herzog foi apresentada à família e à sociedade como um suicídio.


A investigação foi realizada por meio de Inquérito Militar, que concluiu pela ocorrência de suicídio. Seus familiares propuseram em 1976 uma ação civil declaratória na Justiça Federal que desconstituiu esta versão. Em 1992, o Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura de inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte Vladimir Herzog, mas o Tribunal de Justiça considerou que a Lei de Anistia é um óbice para a realização das investigações. Em 2008, com base em fatos novos, foi feita outra tentativa para iniciar o processo penal contra os responsáveis pelas violações cometidas. No entanto, o procedimento foi novamente arquivado, desta vez sob o argumento de que os crimes teriam prescrito.


A jurisprudência da Corte Interamericana determina que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados”.


A notificação de hoje é uma clara mensagem da Comissão Interamericana ao Supremo Tribunal Federal (STF) de que novos casos sobre a dívida histórica seguirão sendo analisados pelos órgãos do sistema interamericano -- Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos na expectativa de que o Poder Judiciário se antecipe e cumpra a atribuição que lhe compete de fazer o controle de convencionalidade, adequando as decisões judiciais internas à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e consequentemente realize a justiça conforme as obrigações internacionais que o Estado brasileiro se comprometeu de boa-fe 

Abertas inscrições de concurso de pôsteres para prêmios Vladimir Herzog e Pacheco Jordão

Até 11 de Maio, profissionais e estudantes das áreas de design, criação, artes gráficas e plásticas poderão se inscrever no concurso cultural de pôsteres a serem usados na divulgação do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos 4º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão. Os dois reconhecimentos são voltados à excelência da prática do jornalismo, com foco na defesa da democracia e dos direitos humanos, seja por profissionais que já atuam na área (Prêmio Vladimir Herzog), ou por universitários que frequentam cursos de Comunicação Social (Prêmio Jovem Jornalista). Além de ser a marca visual dos dois prêmios, os trabalhos renderão a seus autores R$ 500,00 em dinheiro.


Para participar, os interessados devem entregar o trabalho impresso em papel A3, no formato retrato, juntamente com a ficha de inscrição no endereço do Instituto (Rua Padre Carvalho, 57 - Pinheiros – 05427-100 – São Paulo) e enviar uma versão em PDF para o email poster@premiovladimirherzog.org.br. No ato da inscrição, o candidato deve especificar para qual prêmio deseja concorrer.

As propostas inscritas para o Prêmio Vladimir Herzog serão analisadas e selecionadas no dia 14 de maio de 2012 por representantes das onze entidades que integram a sua Comissão Organizadora: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Associação Brasileira de Imprensa – Representação em São Paulo (ABI/SP); Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio); Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo, Instituto Vladimir Herzog; Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo (OAB/SP), Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.  

O júri que escolherá o trabalho que melhor traduzir o Prêmio Jovem Jornalista será composto por membros do Instituto Vladimir Herzog, promotor do concurso. O resultado para ambos os prêmios será divulgado em 25 de Maio de 2012 nos sites www.vladimirherzog.org e www.premiovladimirherzog.org.br


Sobre os prêmios
Desde a sua primeira edição, em 1979, o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos reconhece e premia jornalistas que, através de seu trabalho, colaboram com a promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos e Sociais. Anualmente são premiadas nove categorias: Artes (ilustrações, charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos), Fotografia, Documentário de TV, Reportagem de TV, Rádio, Jornal, Revista, Internet e uma categoria especial - o  tema de 2012 é “Criança em situação de rua”, aberta a todas as mídias. Criado em 2009 pelo Instituto Vladimir Herzog, o Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão tem a finalidade de estimular os estudantes de jornalismo a produzirem matérias de cunho social e político, além de proporcionar o desenvolvimento de uma consciência crítica em prol dos direitos humanos.

Sobre o Instituto Vladimir Herzog: O Instituto Vladimir Herzog foi constituído em 25 de junho de 2009 com a missão de contribuir para a reflexão e produção de informação que garanta o direito à vida e o direito à justiça. Organização sem fins lucrativos e com neutralidade político-partidária, o Instituto busca atingir seus objetivos baseando suas ações em três pilares: Preservar, Construir e Compartilhar. Mais informações podem ser encontradas no site www.vladimirherzog.org

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terça-feira, 13 de março de 2012

Aos 80 anos de um mestre

"Dizer que jornal é trabalho de equipe é dizer muito pouco. Jornal bem-sucedido é trabalho de uma orquestra de personalidades e ideias diferentes ou mesmo antagônicas, porém complementares, harmonizadas e equilibradas por normas ou metas comuns"
Alberto Dines, em 'O Papel do Jornal'

Na profissão de jornalista, em que os princípios pessoais parecem não resistir aos dez primeiros anos de carreira, o nome de Alberto Dines reluz como um patrimônio inspirador. No dia 19 de fevereiro, domingo passado, ele completou 80 anos de idade. Também neste ano de 2012 ele comemora seis décadas de profissão: uma trajetória brilhante, acidentada, por certo, e modelar. Olhando para ele, hoje, a gente compreende o que significa ser jornalista - e gosta do que compreende.

Como todos nós, Dines cometeu erros. Ele mesmo reconhece. Durante o almoço, volta os olhos para cima, a cabeça indo de um lado para outro, num balanço leve, e conta dos tropeços, das vezes em que deu vazão à aresta mais cruel das palavras com o propósito de ferir, mais do que de informar. Acontece. Deixemos isso de lado. No legado que de fato importa, sua biografia é fonte de ensinamento: uma lição de trabalho intenso e extenso, com produção incessante, diária, e uma obra que vai da crítica cinematográfica a livros de pesquisa histórica, passando pela reportagem cotidiana, pela crítica de imprensa e pelos artigos de opinião. Dines é a prova de que a experiência não concorre necessariamente para diluir os princípios e de que o caráter não esmorece. No caso do jornalista, o caráter alimenta-se da independência intelectual e material, assim como se alicerça no cultivo da liberdade e do espírito crítico - portanto, ganha vigor com o passar do tempo.

Assim como os escritores realmente grandes são aqueles que ensinam a seus pares a arte da narrativa, o jornalista maior tem a capacidade de despertar vocações nos mais jovens. Dines também desperta vocações. Embora seja difícil afirmar que esta ou aquela vocação tenha nascido por influência deste ou daquele profissional, há pelo menos uma, nem que seja uma só, que deve ser creditada a ele. A coluna Jornal dos jornais, que Dines assinou na Folha de S.Paulo entre 1975 e 1977, motivou um adolescente, então estudante numa cidade da região da Alta Mogiana, no interior paulista, a firmar a decisão de trabalhar na imprensa e, pelo menos até o instante em que assinou este artigo - este aqui, que você lê agora -, aquele adolescente dos anos 70 não se tinha arrependido da escolha que fez.

Na velha coluna de Alberto Dines, que ajudou a firmar a crítica de mídia no Brasil, o adolescente da Alta Mogiana começou a se dar conta de que escrever na imprensa também era uma forma de pensar sobre a imprensa, e ele começou a achar aquele negócio interessante.

As mais belas reportagens renovam o lugar do discurso jornalístico dentro da cultura. É verdade que podemos dizer algo parecido sobre quase tudo, sobre a poesia, a arquitetura, o cinema e também sobre a medicina e até mesmo a engenharia: o engenho humano, onde quer que ele se manifeste, na arte ou na ciência, na técnica, na política ou na religião, tende a redefinir a si mesmo - o que, no fim das contas, é uma constatação um tanto óbvia, quase banal. Não teria por que ser diferente com o jornalismo - e, no entanto, é diferente. Sutilmente, mas é.

Na nossa profissão, que navega nas franjas do que é notícia, daquilo que é verdade hoje, mas não era verdade até ontem, os imperativos da velocidade, da aceleração e da mudança pesam muito mais. Mais que outras atividades, o jornalismo depende de saber se redefinir a cada dia. Ao registrar a História no calor da hora, a sangue-frio, o jornalista é agente da História, um catalisador do fato histórico em alta velocidade, o que faz dele um profissional das ideologias, mesmo quando guarda em si a convicção ideológica de que nada tem de ideológico. Se ele não desenvolve consciência sobre o que faz, corre o risco nada desprezível de estar a serviço de ideologias que não vê enquanto empina o nariz imaginando desconstruir as que vê. Se não acumula reflexão, dificilmente fará algo de útil ou de valioso.

Comparemos o jornalista com o cirurgião. Este, o cirurgião, pode muito bem se revelar um gênio do bisturi sem nunca ter dedicado um segundo sequer ao exame intelectual das relações entre seus atos e o sentido geral da civilização, ou sobre o emaranhado de sentidos que tece a fronteira instável entre saúde e doença. Para o jornalista, o mesmo grau de alienação constituiria falta grave. Se obstinadamente técnico, perde de vista o que há de controverso na cena humana, da qual lhe cabe fazer a crônica.

A imprensa ocupa-se mais das incertezas que das certezas. Sem método, sem critérios e sem pensamento (epistemológico) ela se perderia. A sua dupla condição - ter de fazer e ter de refletir - não é dúplice nem ambígua, mas íntegra. Aí se inscreve o significado mais fecundo da longa trajetória de Alberto Dines. Como professor universitário - que não tem diploma de nenhuma faculdade -, ele ajudou a lançar no Brasil, quando começou a dar aulas na PUC-Rio, ainda nos anos 60, as bases da disciplina Jornalismo Comparado. Como jornalista, no comando do Jornal do Brasil, ou na direção de revistas da Editora Abril em Portugal, ou ainda como fundador do Observatório da Imprensa, um marco pioneiro do jornalismo online no Brasil, criado há 15 anos, ensinou a credibilidade da imprensa laica, apartidária e plural.
Onde o mundo é uma gritaria, uma babel caótica, o grande editor identifica a orquestra passível de afinação. Também por isso a imprensa encarna com tanta intensidade o sonho democrático. Movido por esse sonho, o jornalista faz, pensa e depura o caráter. Não pode haver profissão melhor.

- EUGÊNIO BUCCI


*JORNALISTA, É PROFESSOR, DA ECA-USP E DA ESPM

segunda-feira, 12 de março de 2012

CÍRCULO MILITAR


Míriam Leitão


O país tem discutido, nos últimos dias, o passado do regime militar. É
tarde, mas não tarde demais. A sociedade decidirá o alcance desse
reencontro, mas o passado deve ser revisitado se o país escolheu jamais
repetir aquele erro. Novas informações surgem sobre histórias antigas, novos
caminhos jurídicos. Os militares repetem o velho enredo de vetar o debate. O
governo ainda não nomeou os integrantes da Comissão da Verdade.

Vladimir Herzog foi morto há 36 anos, com apenas 38 anos, horas depois de
entrar no DOI-Codi, no II Exército. Tinha endereço certo, dirigia o
jornalismo na TV Cultura, não demonstrou qualquer intenção de fugir,
apresentou-se para depor, nunca houve culpa formada, não se sabe do que foi
acusado, não se sabe até hoje como o mataram.

Uma nova foto, omitida na época, mostra o que sempre soubemos e dá mais
clareza à farsa montada para tentar esconder a verdade. Foi publicada nos
últimos dias no site organizado pelo deputado Miro Teixeira
(www.leidoshomens.com.br<http://www.leidoshomens.com.br>). Pelo ângulo se vê
que se quisesse cometer suicídio ele amarraria a faixa na grade superior. O
site mostra também uma carta do general Newton Cruz ao então chefe do SNI,
João Figueiredo, revelando a luta intestina dentro do aparelho repressor.

Nestes 27 anos de democracia já deveria ter havido a busca da verdade sobre
as circunstâncias das mortes e dos desaparecimentos políticos. Não é
revanchismo. É uma obrigação do Estado para com as famílias e a História.
Sempre que o assunto retorna, os militares calam a discussão. A fórmula é
conhecida: os da reserva fazem notas com protestos e ameaças veladas, os
comandantes da ativa fazem pressão por dentro, usando como prova da
insatisfação da tropa as notas dos aposentados. Assim se forma o círculo do
veto. O poder civil recua.

Herzog é uma das tantas feridas que não cicatrizam porque não é uma questão
de tempo, e sim de prestar contas do crime que o Estado cometeu. O governo
democrático não buscou os fatos com a diligência que a construção
institucional exige. Essa falha permite que os militares mantenham sua
versão. O general Luiz Eduardo Rocha Paiva afirmou na entrevista que me
concedeu que "ninguém pode dizer que ele (Herzog) foi morto pelos agentes do
Estado. Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar". O Instituto Vladimir
Herzog reagiu com nota de repúdio.

Por que um general que estava até 2007 em postos importantes é capaz de
levantar tal dúvida?

Porque sempre que eles mandaram o país interromper a conversa sobre Herzog e
qualquer outro foram obedecidos. Em outubro de 2004, o "Correio Braziliense"
publicou fotos que supostamente eram de Herzog. Isso detonou uma crise
militar. O serviço de comunicação do Exército publicou uma nota em que
justificava torturas e mortes. "As medidas tomadas pelas Forças Legais foram
uma legítima resposta à violência dos que se recusaram ao diálogo, optaram
pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas
e desencadear ações criminosas."

O então ministro da Defesa, José Viegas, exigiu do comandante do Exército,
Francisco Roberto de Albuquerque, uma nota de retratação. O general optou
por uma nota na primeira pessoa em que dizia que aquela forma de abordar o
assunto não era adequada. O Exército jamais se retratou. O ministro Viegas
deixou o posto dizendo que o pronunciamento provava a persistência do
"pensamento anacrônico" da "doutrina de segurança nacional" em plena
vigência da democracia.

Esse não foi o primeiro nem o último evento em que os militares
constrangeram o poder civil. Foi o mais explícito porque Viegas deu
transparência aos fatos. Ele disse em sua saída que achava inadmissível que
as Forças Armadas não demonstrem "qualquer mudança de posicionamento e de
convicções". Disse que considerava inaceitável que se usasse o nome do
Ministério da Defesa para "negar ou justificar mortes como a de Vladimir
Herzog".

Lembrar esse episódio nos ajuda a ver como é persistente o veto militar a
duas providências fundamentais: procurar as informações que à época foram
negadas pela ditadura; promover uma renovação do pensamento das Forças
Armadas sobre seu papel naquele período.O general Rocha Paiva não é um ponto
fora da curva; ele representa o pensamento majoritário dos militares da
ativa e da reserva. Isso fica provado também no número de oficiais, que
estavam no comando até recentemente, que assinaram a nota de protesto dos
clubes militares contra a Comissão da Verdade. Eles pensam hoje o que sempre
pensaram. Rocha Paiva disse, por exemplo, que não há provas do crime do Caso
Riocentro (a transcrição na íntegra da entrevista está no meu blog).

Como o pensamento das Forças Armadas não foi atualizado, novas gerações
estão sendo formadas nessa convicção. O desvio tem se perpetuado. Eles ainda
defendem como legítimo o que houve nos 25 anos de exceção, ainda cultuam os
ditadores como heróis, ainda protegem os torturadores e sonegam informações.
Se o governo se deixar intimidar na Comissão da Verdade estará capitulando
diante da pressão do círculo militar.

domingo, 4 de março de 2012

Nota de Repúdio - Instituto Vladimir Herzog

O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, em entrevista a Miriam
Leitão, das Organizações Globo, disse ontem (1/3/2012) que a Comissão da
Verdade, prevista em lei sancionada pela Presidência da República em
Novembro de 2010, é “maniqueísta” e parcial porque seu objetivo é “promover
o esclarecimento de torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação
de cadáveres”. Acha ele que, para assegurar a imparcialidade da comissão,
ela também deveria investigar atos de violência cometidos por aqueles que
combatiam a ditadura.

Depois de sugerir que os desaparecimentos do deputado Rubens Paiva e de
Stuart Angel só sensibilizam até hoje a opinião pública porque eles
pertenciam às “classes favorecidas”, o general Rocha Paiva mostra duvidar de
que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada na época da ditadura.
E, quando Miriam Leitão lembrou que “Vladimir Herzog foi se apresentar para
depor e morreu”, Rocha Paiva questiona: “E quem disse que ele foi morto
pelos agentes do Estado? Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar.”

Como se alguém que se apresentara para depor não estivesse sob a guarda e a
responsabilidade do Estado e de seus agentes. Como se assegurar a
integridade física e a própria vida de um depoente, qualquer depoente, não
fosse obrigação oficial fundamental do Estado e de seus agentes, a quem ele
se apresentara. Como se a Justiça do Brasil já não houvesse reconhecido
oficialmente, há 33 anos, em decorrência de processo movido pela viúva
Clarice Herzog e seus filhos, que Vladimir Herzog foi preso, torturado e
assassinado nos porões da ditadura, por agentes do Estado.

Além de tudo isso, posteriormente, em julgamento proferido no âmbito da
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei nº
9.140/96, o próprio Estado brasileiro ratificou o reconhecimento dessa
prisão ilegal, tortura e morte.

Ao indagar, mais adiante, “Quando é que não houve tortura no Brasil?”, o
general tenta justificar em sua entrevista os martírios que foram
perpetrados pela ditadura deixando entender que torturar é uma atividade
legitimada e consagrada pelos usos e costumes nacionais.

General, tortura nunca foi usos e costumes, nem no Brasil nem em lugar
algum. Sempre foi e é a violação do império da lei, que condena quem
tortura. Tanto que a nossa Constituição Federal é taxativa ao determinar que
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”
(art.5º, inciso III). E impor o respeito à lei – não vi olá-la – é o dever
precípuo mais básico dos agentes do Estado. Esses agentes estão cobertos
pelo manto institucional, portanto exercem um poder infinitamente maior que
qualquer outro cidadão.

É por isso, por ser um crime cometido pelo Estado – não por cidadãos comuns,
julgados pela Justiça comum – que as torturas e mortes perpetradas por
agentes do Estado e sob sua bandeira são o que precisa ser investigado e
exposto pela Comissão da Verdade. Não acobertado pelo Estado ou por qualquer
de suas instituições.

E a imparcialidade da Comissão estará em agir à luz da Justiça e da lei ao
investigar e expor os crimes cometidos pelo Estado e seus agentes – não ao
talante de quem detém o poder.

Tudo isso torna claro que a manifestação do general Luiz Eduardo Rocha Paiva
atenta contra o Estado Democrático de Direito, também preconizado na
Constituição Federal do Brasil, que tem entre seus fundamentos “a dignidade
da pessoa humana”, além da República Federativa do Brasil reger-se nas suas
relações internacionais pelos princípios, entre outros, da “prevalência dos
direitos humanos” (Constituição Federal, arts. 1º, III, e 4º, II).



INSTITUTO VLADIMIR HERZOG

sexta-feira, 2 de março de 2012

Nota de Repúdio dos Cineastas

Nós, cineastas brasileiros, expressamos a nossa preocupação com as frequentes manifestações de militares confrontando as instituições democráticas e o próprio estado de direito. Todos os cidadãos brasileiros têm o direito de conhecer o que foram os 21 anos de ditadura militar instaurada com o golpe de 1964. É preciso que a Comissão da Verdade, instituída para esclarecer fatos obscuros daquele período, em que foram cometidas graves violências institucionais, perseguições, torturas e assassinatos, tenha plenas condições e apoio para realizar essa tarefa histórica.

Repudiamos os ataques desses setores minoritários das Forças Armadas brasileiras, que de forma alguma irão obstruir as investigações que se iniciam. E  como cidadãos, desejosos de justiça, pedimos que os militares responsáveis por essas afrontas ao estado de direito sejam severamente punidos.

João Batista de Andrade
Roberto Gervitz
Lucia Murat
Manfredo Caldas
Luiz Carlos Lacerda
Jaime Lerner
Hermano Penna
Helena Solberg
Luiz Alberto Cassol
Renato Tapajós
Geraldo Moraes
Laís Bodansky
Luiz Bolognesi
Silvio Da Rin
Toni Venturi
Joel Zito Araujo
Reinaldo Pinheiro
Rosemberg Cariri
André Kloitzel
Ariane Porto