quinta-feira, 3 de novembro de 2011

É a democracia, estúpidos!

Nemércio Nogueira
Diretor do Instituto Vladimir Herzog

É alarmante o resultado da pesquisa da chilena Latinobarometro que a Folha de S.Paulo publicou no dia 29 de Outubro. Ela mostra que no último ano o apoio da população brasileira à democracia caiu de 54% para 45%. Caiu mais que a média de apoio na América Latina. Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou que dá na mesma a democracia ou o autoritarismo.

Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que, além da unanimidade ser burra, a maioria é estúpida. Parece incrível que, numa nação que foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto faz.

É por isso que tem tanta importância o trabalho que vem sendo feito pelo Instituto Vladimir Herzog, com seu projeto “Resistir é preciso...”, resgatando os jornais e jornalistas que, nas bancas, na clandestinidade ou no exílio, combateram a ditadura. Em vídeos, livros, documentários e outras iniciativas, o Instituto insere na História do Brasil e procura mostrar a todos, principalmente aos mais jovens, qual era a realidade que vivíamos nos anos de chumbo. Para que não permitamos que isso aconteça de novo.

Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do Latinobarometro não sabem que, sem democracia:

  1. A imprensa amordaçada não poderia denunciar corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;
  2. Um presidente da República rejeitado pela população não teria sido castigado pelo impeachment;
  3. Um presidente que terminou oito anos de mandato com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, não poderia sequer ter sido eleito;
  4. O fim do sigilo eterno de documentos do governo e a criação da Comissão da Verdade, já aprovados pela Câmara e pelo Senado, nem projetos teriam sido;
  5. O Brasil  não viveria o atual desenvolvimento social e econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;
  6. Nenhuma crítica ao governo seria permitida – por jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer que fosse;
  7. A corrupção, a incompetência e o desmando de governantes e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela intransparência do poder totalitário;
  8. Estaríamos todos continuamente sob a ameaça arbitrária de prisão, tortura e morte;
  9. Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes, pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos donos do poder;
  10. Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo crime de pensamento e opinião;
  11. Não poderíamos votar porque os mandantes nos seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.

Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos." E a de Ulysses Guimarães, que disse que "A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes."

Só na democracia é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard Shaw até ao Marquês de Maricá,  há comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade.  Mas eu fico com Goethe: "A democracia não corre, mas chega segura ao objetivo."

Artigo publicado também na revista Entrelagos de Brasília 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Como para homenagear Vladimir Herzog


Precisamente no dia 25 de Outubro, a data em que, 36 anos atrás, Vladimir Herzog foi martirizado nos porões da ditadura, o Senado aprovou o projeto de lei que acaba com o sigilo eterno de documentos públicos. Anteriormente aprovada pela Câmara dos Deputados, a proposta irá agora à sanção da presidente Dilma Rousseff.

Com a lei, os governos federal, estaduais e municipais ficam obrigados a liberar dados e documentos assim que requisitados e o prazo máximo para que as informações do governo sejam mantidas em sigilo será de 50 anos. Além disso os documentos relativos a violação dos direitos humanos, inclusive da época da ditadura (1964-1988), não poderão ficar sob sigilo.
Também na mesma semana do assassinato de Vladimir Herzog o Senado aprovou por unanimidade e enviou para sanção presidencial o projeto de criação da Comissão da Verdade, que, durante dois anos, vai apurar violações de direitos humanos, como tortura, assassinato e desaparecimento de militantes, entre 1946 e 1988, podendo requisitar documentos, inclusive das forças armadas, convocar depoimentos e até solicitar perícias no exterior. Mas não poderá pedir abertura de processos contra torturadores, porque a lei da Anistia não permite.
Segundo os dados do governo, 475 pessoas morreram ou desapareceram em perseguições políticas no País. Todos esses e outros casos poderão ser investigados pela Comissão da Verdade, que será formada por sete pessoas indicadas pela presidente Dilma Rousseff, desde que não ocupem cargos executivos em partidos políticos nem cargos comissionados e funções de confiança em órgãos públicos.
A tortura e assassinato de Vladimir Herzog em 1975, pelos esbirros que povoavam os cárceres da ditadura, já foram reconhecidos pela Justiça e pelo governo brasileiros, em conseqüência de processo movido pela viúva Clarice Herzog. Mas a aprovação desses dois projetos pelo Congresso Nacional, justamente na semana em que ele foi vitimado pela violência do totalitarismo, parece celebrar a vida do homem cujo martírio deflagrou o começo do fim da ditadura.