sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sérgio Gomes fala sobre o Instituto Vladimir Herzog


O Jornalista Sérgio Gomes fala sobre o lançamento do Instituto Vladimir Herzog em entrevista na rádio Terra FM. Confira:


terça-feira, 26 de maio de 2009

Instituto Herzog ‘ganhará vida’ em junho

O Instituto Vladimir Herzog, um sonho de seu filho Ivo, se tornará realidade no dia 25 de junho em uma cerimônia na Cinemateca, em São Paulo. É uma iniciativa da família do jornalista, com apoio de mais e uma dezena de instituições. Vlado faria 72 anos no dia 27 de junho, se não tivesse sido morto em outubro de 1975 nos porões do DOI-Codi, na Rua Tutoia, em São Paulo. O instituto começou a se concretizar quando a família Herzog resolveu montar uma página na internet. Muitas pessoas passaram a se envolver e a ideia cresceu.

Segundo Ivo, o instituto terá como missão organizar o acervo de documentos, textos efotos de Vladimir Herzog que, além de jornalista,era fotógrafo, cineasta e professor daEscola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). A Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo, onde o jornalista foi diretor, doou parte do material que ficará disponível para pesquisa e consulta. A TV Brasil cedeu material do programa “3 x 1”, do qual Ivo participou e teve grande repercussão, ao lado do ex-ministro Jarbas Passarinho – este defendendo o AI-5.

Fotografia era outra paixão de Vlado. Foram recuperados mais de mil slides feitos por ele. São fotos de família -do período vivido em Londres e de pesquisas para seus trabalhos como cineasta. Todo este material já está digitalizado.

Além de perpetuar a memória de Herzog, o instituto tem como projeto discutir os caminhos do jornalismo. E junto do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo será responsável pelo Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, instituído em 1979.

Na internet, o espaço será livre para as pessoas se manifestarem. Sempre mantendo aquela linha de missão do instituto, como “espaço de reflexão e produção de informação que garanta o direito à Justiça e o direito à vida”.

“Não podemos pensar apenas na morte de Vladimir Herzog. Por isso a inauguração será no aniversário dele, que estaria completando 72 anos”, diz Ivo Herzog. “O Prêmio Herzog vai celebrar a vida.” Elifas Andreato já está trabalhando o cartaz para a premiação de 2009. “Nos últimos quatro, cinco anos o Prêmio deu uma revitalizada e queremos garantir que ele tenha novo impulso.” O Sindicato indicou Oswaldo Braglia para a captação de recursos para o Prêmio.
Como parte da solenidade de inauguração do instituto haverá nos dias 26, 27 e 28 de junho um ciclo de debates sobre Vlado e exibição de várias mídias, como o filme Doramundo, que teve roteiro de Herzog. O ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, garantiu presença em uma palestra sobre Justiça e Democracia. Haverá também uma mesa redonda com jornalistas como Caco Barcellos, Zuenir Ventura e Ricardo Kotscho.

O instituto terá um conselho com um representante do Sindicato, um representante da família Herzog, entidades e personalidades como Audálio Dantas, Hélio Bicudo, Luiz Weis, Zilah Abramo, Caco Barcellos, entre outros. Esse conselho definirá as diretrizes do instituto, que nasce com três objetivos. O primeiro é organizar todo o material jornalístico (fotos, matérias) sobre Vlado. Será a principal fonte para que pesquisadores, estudantes e profissionais em geral possam ter acesso ao material para seus trabalhos.

O segundo objetivo é promover o debate sobre o papel do jornalista. Vlado buscava sempre promover o jornalismo de qualidade, verdadeiro e, acima de tudo, responsável. Dentro desta sessão temos ainda a idéia de discutir as novas mídias - internet, blogs, etc e como o jornalismo evolui em função da mudança de suas ferramentas de trabalho.

E, em terceiro, ao lado do Sindicato dos Jornalistas, organizar o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. “Além da cerimônia, iremos manter um debate constante sobre quais as questões atuais relativas aos Direitos Humanos devem ser tema deste prêmio tão importante”, afirma Ivo.

O instituto ficará no The Hub, um espaçoso galpão de cerca de 500 m², que foi transformado em uma espécie de escritório coletivo. “Para conectar pessoas e ideias inovadoras, promovendo discussões e fazendo o bem”, como é lembrado no endereço eletrônic o http://www.vladimirherzog.org/ . O endereço é Rua Bela Cintra, 409, tel.: (11) 6394-4047.


Fonte: Jornal Unidade - SJSP
Foto : Nivaldo Silva

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mídias e Direitos Humanos - a editoria que não há

Pretendo neste espaço alinhavar alguns pensamentos sobre direitos humanos e mídia. Um exercício mental, nada mais. Vamos lá. Em geral, direitos humanos rima com a defesa de pessoas ou populações vulneráveis. Aquelas que estão à margem da lei e dos benefícios providos pelo Estado. Aquelas que são de alguma maneira discriminadas, preteridas em sua busca por um lugar ao sol. A vulnerabilidade tem relação direta com a origem étnica/racial, como a população indígena, a população quilombola (remanescentes dos escravos capturados na África para servir ao progresso do Brasil Colônia e Império), a população cigana. A vulnerabilidade tem rosto humano. São crianças, em geral, abandonadas à própria sorte e que no mais das vezes ajudam no trabalho sujo dos traficantes de drogas, vicejam na periferia das grandes metrópoles brasileiras e são agrupadas sob o rótulo de "meninos e meninas de rua". São mulheres, em sua maioria afrodescendente, com baixo grau de instrução formal, desempregadas ou subempregadas, muitas vezes abastecendo bancos de dados das vítimas de crimes contra a mulher como espancamento, queimaduras e outras formas de violência no âmbito doméstico ou em lugares públicos. Parte desse contingente sobrevive da prostituição do corpo.
A vulnerabilidade também tem gênero. E aí entram homossexuais masculinos e femininos, bissexuais, travestis, transexuais. E também tem classe social. Engrossam suas fileiras milhões de desempregados, milhões de subempregados, milhares de pessoas moradores de rua. São sobreviventes que tocam a vida com menos que um salário mínimo mensal, conseguido de forma lícita ou ilícita. Boa parte da imprensa trata dos direitos humanos das populações vulneráveis pelo viés do exotismo, do folclórico (em sua acepção de não-acadêmico) e, principalmente, quando são vítimas de violência.

Um por um

O drama dos meninos e meninas de rua. Recebem alguma atenção dos meios midiáticos quando o pano de fundo é... uma chacina, como aquela ocorrida na Candelária, no Rio de Janeiro, em 23 de julho de 1993. São notícia quando são abatidos (literalmente) em confrontos da polícia com traficantes nas batalhas quase diárias nos morros do Rio. Raras são as matérias, reportagens, notícias que tragam perfis e entrevistas com defensores dos direitos humanos mais afetos à defesa dos meninos e meninas de rua. O IBGE e o IPEA – órgãos oficiais que nos apresentam com eficiência indicadores sociais que abordam diversos aspectos sobre renda, emprego, etnia/raça, gênero, faixa etária, grau de escolaridade etc. – dificilmente conseguem que dados estatísticos e sociais sobre nossos meninos e meninas do Brasil, que correm risco de morte 24 horas por dia, sejam divulgados com a ênfase e o espaço midiático que o tema, por urgente, requer.

O drama dos moradores de rua. Tornam-se manchete em jornais e lugar privilegiado na escalada dos telejornais noturnos quando são vítimas de violência, em especial em alguma grande cidade do país. É o caso da chacina da Praça dos Colonizadores em São Paulo, nos dias 19 e 22 de agosto de 2004. À época noticiou-se que nas agressões contra os moradores de rua resultaram sete morreram, todos golpeadas na cabeça. Os ataques ganharam repercussão internacional. Outros moradores de rua ficaram feridos durante as ações. Policiais foram detidos sob suspeita de envolvimento no crime. O resto foi a repercussão desse macabro lead. E um arremedo de apuração sobre a identificação e punição dos assassinos – neste caso, fardados.

Uma vez mais a cobertura da imprensa envereda pela indignação com o crime em si e traz sempre uma ponta de compaixão, um texto ou subtexto a provocar a solidariedade natural dos leitores, ouvintes, telespectadores, internautas com os mortos que, a bem da verdade, perambulam pelas vias públicas como mortos em vida ou, para rememorar filme brasileiro de sucesso nos anos 1980, "cabras marcados para morrer".

O drama dos índios. Luta incessante pela sobrevivência. Luta diuturna para reaver suas terras através de demarcações minimamente justas. Um rosto indígena: Galdino Jesus dos Santos, também conhecido como "índio Galdino", uma liderança do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe que foi queimado vivo enquanto dormia num abrigo de ônibus, em Brasília, em 20 de abril de 1997, após participar de manifestações pelo Dia do Índio, num crime que chocou o Brasil. O crime foi praticado por cinco jovens de classe média-alta de Brasília, alguns na linha direta de parentesco com juízes e desembargadores.

Morreu travando o bom combate Galdino, de 45 anos. Estava em Brasília para participar de uma reunião na Procuradoria-Geral da República. A pauta: reclamar por suas terras. Chegou de madrugada na pensão que o hospedava. Ninguém atendeu a porta após suas batidas. Decidiu ali mesmo dormir ao relento, tendo como abrigo uma prosaica parada de ônibus. Pouco depois, como se fosse algo corriqueiro, atearam fogo sobre ele. Nas chamas que envolveram 95% do corpo do índio observei que, mais que seu corpo, as chamas atingiram não apenas Galdino, mas também o seu povo, os Pataxó e, por extensão, a humanidade como um todo, uma vez que os povos indígenas desde há muito são considerados patrimônio da humanidade.

Mais recentemente, a imprensa tem destacado à demarcação das terras na chamada reserva Raposa Serra do Sol, terra indígena Macuxi homologada a nordeste do estado brasileiro de Roraima, uma das maiores do país, com 1.743.089 hectares e 1.000 km de perímetro. Fora isso pouco tem sido noticiado sobre as precárias condições de sobrevivência física (e cultural) de diversas outras tribos indígenas como os Kiriri, em Mirandela, no sertão baiano, ou dos jovens índios que, vivendo em Limão Verde, Mato Grosso do Sul, decidiram nos últimos anos dar cabo à própria vida.

Marca desconhecida

Os assaltos, como uma praga, infelicitam a todos igualmente. Mas recebem espaço da mídia se a vítima desfruta uma boa posição social. Exemplo? O caso do relógio Rolex roubado do apresentador Luciano Huck, em 27 de setembro de 2007. Foi capa de revistas semanais. Ocupou partes de primeiras páginas dos principais jornais do Brasil. Teve seu desabafo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Texto controverso que abarca no último parágrafo pérolas de cinismo:
"Hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar." Foi o roubo de um relógio, mas teve a repercussão de crimes escabrosos e de violência inominável como a morte dos pequenos João Hélio, 6 anos, no Rio, em 7 de fevereiro de 2007. Após o assalto do carro de sua mãe, o menino não conseguiu ser desvencilhado do cinto de segurança. Com o menino preso pelo lado de fora do veículo, os assaltantes o arrastaram por sete quilômetros, passando pelos bairros de Oswaldo Cruz, Madureira, Campinho e Cascadura. Uma morte brutal. Por pouco o relógio roubado do Huck não ganhou em espaço para a cobertura de outro crime: Isabela Nardoni. Tinha apenas cinco anos de idade e foi jogada do apartamento de seu pai localizado no sexto andar do Edifício London, no bairro de Vila Guilherme, em São Paulo.

Esses três casos ilustram bem a forma como a violência urbana é pautada na mídia. Existem algumas seleções naturais, não tão naturais quanto aquelas do velho Darwin para elaborar a teoria da evolução das espécies. Aqui, a seleção passa pelo tipo de violência: quanto mais macabra e pontuada por requintes de crueldade, mais espaço e relevância irá receber; depois, a seleção do status sócio-econômico das vítimas. O roubo de um relógio de marca desconhecida de um professor de matemática de uma escola pública praticado por dois motoqueiros, um deles apontando-lhe um Colt 38, dificilmente alcançaria duas linhas no rodapé de uma página de jornal, muito menos seria capa de revista semanal e seu desabafo, tão ou mais contundente que o de Luciano Huck, jamais encontraria espaço nobre do jornal de maior circulação diária do país, em página dita nobre.

Tema universal

Pensar em jornalismo cidadão parece o mesmo que nadar contra a maré. Qualquer tipo de jornalismo alcunhado pelo "cidadão" já começaria sem muito gás: os personagens das notícias seriam em sua maioria ilustres anônimos, gente que faz parte da paisagem urbana ou rural e que nem por isso são notadas, detectadas, vistas.

Existem editorias fixas, tradicionais como aquelas que tratam de Política, Economia, Esportes, Mundo, Cultura, apenas para mencionar as mais tradicionais. Mas não temos nenhum único órgão da mídia nacional que mantenha uma editoria dedicada a cobrir o tema dos Direitos Humanos. Temos espaço para as "páginas policiais", a "crônica policial" que espelha a forma como a violência corrói nosso tecido social. E temos primeiras páginas e até cadernos especiais para cobrir escândalos em série em qualquer editoria já citada. Falta espaço midiático para vítimas que compõem as tais populações vulneráveis. E, por isso, faltam cadernos de Cidadania. E faltando cadernos de Cidadania temos o seu contraponto que são os tais cadernos de serviço público, com informações sobre direitos do consumidor, concursos públicos, bancos e shoppings que abrem suas portas em feriados nacionais.

Enquanto não existir editorias sólidas, bem aparelhadas e com a missão de trazer para o dia a dia das redações e das editorias o tema universal da defesa e promoção dos direitos humanos teremos uma mídia capenga, joguete de interesses políticos, econômicos e comerciais – aqueles que habitam há séculos o andar de cima.

Por Washington Araújo
Observatório da Imprensa

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Sobre a reforma política

Na oportunidade da mudança da capital federal para Brasília, concederam-se aos membros dos três poderes da República facilidades que, ao tempo, faziam-se necessárias pela precariedade das condições de uma cidade que nascia, praticamente do nada.

No que respeita à fixação de servidores públicos, construíram-se conjuntos de apartamentos e moradias, concederam-se também outras vantagens para tantos quantos, meros funcionários, ministros de Estado e dos tribunais superiores, parlamentares e membros do “staff” governamental, tiveram que se deslocar da antiga capital, para exercer suas funções na cidade que se ia montando no planalto central.

Contudo, passados tantos anos, cerca de meio século, já seria tempo de se fazer um reestudo dessa questão, pois, nos dias de hoje, Brasília é uma cidade na qual se pode viver confortavelmente: dispõe de uma infraestrutura urbana bastante razoável, com amplas avenidas, parques, clubes, hotéis, hospitais, “shoppings”, teatros, cinemas, restaurantes, escolas, uma excelente universidade pública, enfim, tudo o que uma cidade moderna pode oferecer a seus habitantes.

Ora, quando o governo federal situava-se no Rio de Janeiro, de perguntar-se se os parlamentares eram premiados pelas mesmas mordomias de que hoje desfrutam, como habitação gratuita, escritórios em seus Estados de origem, passagens aéreas para manterem contato com seus eleitores e outras mais. Na chamada velha república, os parlamentares residiam no Rio de Janeiro e até mesmo pelas dificuldades de transporte, não debandavam da sede do governo às quintas feiras , para retornar às terças Ali viviam, segundo se presume, às suas custas, e participavam das atividades inerentes a seu mandato com maior espírito público. É claro que poderiam haver distorções, mas, se haviam, não se comparam com aquelas que , nestes anos, presenciamos. Hoje, os trabalhos parlamentares iniciam-se nas terças e terminam ao meio dia das quintas feiras ! Há, então, uma verdadeira debandada para os Estados, às custas dos cofres da União. Se é lícito, o que é discutível, que os parlamentares, membros do Executivo e do Judiciário, quando devem residir em Brasília, o façam às custas do erário público, então, pelo menos, que ali permaneçam e se desejam ou precisam retornar a seus Estados, que o façam por sua própria conta. Que sejam remunerados dignamente, sem dúvida, mas o que se pode tolerar é o sistema atual, facilitador das fraudes a que poucos se escaparam de cometer.

A obrigatoriedade da residência na sede do serviço, seja ele qual for, é uma decorrência da própria natureza do serviço a ser prestado. Da mesma forma que um juiz ou um promotor não podem morar fora de sua comarca, os legisladores não podem residir fora da sede do respectivo parlamento.

Uma reforma política que deixe de lado essa questão, buscando, na manutenção de um status quo que se procura alargar mediante a votação em lista fechada e o financiamento público das campanhas eleitorais, constitui-se, sem dúvida, em mais um clamoroso acinte à opinião pública que não estará sendo lixada apenas na sensibilidade dos eleitores, mas na construção de uma democracia representativa, a qual ainda não alcançamos.

A representação popular, praticamente inexiste, pois a iniciativa dos cidadãos no processo legislativo, mediante a iniciativa do povo, na forma pela qual está escrita na Constituição, ali está apenas para constar, porque as dificuldades são tantas para alcançar esse desiderato, veja-se, trata-se apenas de mera apresentação (artigo 61, parágrafo 2 ), que se pode contar nos dedos de uma só mão o numero de projetos populares apresentados ao Congresso, por entidades da sociedade civil.

Alem do mais, que autoridade moral têm hoje os poderes da República para propor uma reforma política, depois do episódio do mensalão e após as reiteradas apropriações do dinheiro público em benefício de parentes, amigos e correlegionários; ou de decisões judiciais que contemplam o interesse dos mais ricos e permitem, mediante uma interpretação supostamente autêntica das leis, a substituição de governadores eleitos por quem não tem direito à substituição e não querem ver, permitindo, a antecipação de uma campanha eleitoral totalmente fora de propósito ?

A única possibilidade para que se chegue a uma solução está na mobilização da sociedade civil pelos setores que ainda não se deixaram contaminar pela corrupção que se espraia pelo País, para que seja feita a limpeza necessária nas instituições públicas, porque, caso contrário, o afundamento a que estamos assistindo, do Estado Democrático, irá propiciar soluções personalistas que acabarão por resultar naquilo de pior que possamos imaginar.

Sobretudo, O Parlamento precisa ser enxugado e revisto o sistema de representação popular, de sorte a aperfeiçoar-se o princípio da própria representatividade, instituindo-se a proibição de um terceiro mandato consecutivo, para que o parlamentar não transforme a cadeira que lhe foi concedida pelo voto popular em mero emprego em proveito próprio.

Alguma coisa tem de ser feita com urgência, pois aí estão as eleições do próximo ano que, se de um modo podem concorrer para a moralização dos poderes da República, de outro, se continuarmos a permitir a prevalência do poder econômico na escolha dos representantes do povo, curta será a nossa caminhada para a construção do sonhado Estado Democrático, ideal que ir-se-à desfazer na mãos daqueles que se impõem pela demagogia e chafurdam na corrupção e na violência.

Hélio Bicudo

terça-feira, 19 de maio de 2009

Vlado por Alberto Tamer

Fui o primeiro a receber o nosso Vlado na redação do Estado. (Não sei o ano exato em que ele entrou, mas acho que deve ter sido entre 1960 e 1962 ou 63). Não sei se foi o seu primeiro emprego.

Eu era repórter na Economia (o primeiro do Estado...) com o Frederico Heller de tarde, editava e paginava a Economia de noite e ia fechar a pagina no chumbo por volta da meia noite e o Claudio Abramo me pôs chefiando a reportagem pela manhã. Eu ajudava o santo Perseu Abramo, que entrava à tarde; uma das almas mais humanas e puras que encontrei.

Nesse período, me passaram o Vlado para experimentar na reportagem. O Claudio e o Perseu queriam saber se tinha bom texto e era b

om para ser repórter. (Havia pouquíssimos deles, e um dos “meus “focas” foi o Pimenta...)O Vlado era um pouco tímido e aparentava aquele sorriso de lábios fechados que parecia ser irônico, mas era timidez. Vi logo que o seu texto era excelente, frases curtas, objetivas e com muita informação que ele sabia colher. Apenas um pouco lento, mas eu disse ao Perseu que ele iria superar isso, como realmente superou.

Passei a pautá-lo e ele foi contratado por causa do Perseu, que viu no Vlado a bela figura humana que era. O Claudio ainda fazia alguma reserva, mas o Perseu venceu.

O Vlado demorou um pouco para se desinibir, não perdeu aquela espécie de sorriso reticente que não era bem sorriso, mas deslanchou aos poucos. Tornou-se um bom repórter, muito serio, com um dos melhores textos. O texto era corrido, fluente, ligeiro, enxuto, que nós elogiávamos muito. Era o que queria o jornal, que o Claudio estava tentando, ainda, mudar, abandonando textos meio antiquados, com frases longas e pouca informação. E conseguiu.

Um dia apareceu o convite de ida de um repórter do Estado para a Amazônia, creio que Rondônia. Consultei o Perseu e escolhemos o Vlado. Ele hesitou. Estava com medo, achava que não estava ainda preparado; era sua primeira viagem para o Estado. Argumentei que um dia ele teria que enfrentar isso e que nós confiávamos nele e achávamos que estava preparado, sim. Rateou, rateou, mas acabou indo e, se me lembro, escrevendo boas matérias. Mas como era um foca, o pessoal decidiu dar um trote nele. Colocaram uma grande cobra embaixo da sua cama, daquelas sem veneno mas impressionantes... Parece que ele entrou meio em pânico, mas aguentou. Só ficou um pouco chateado. Havia passado na prova. Não me lembro dele em 1964 e não sei se ainda estava no Estado no golpe; acho que não, pois eu não me esqueceria dele. Fiquei felizmente surpreso quando o soube enfrentando os militares, pois o achava ainda tímido e meio recolhido em si mesmo. Vi que havia coragem escondida no fundo daquela aparente timidez. Eu gostava dele e passei a admirá-lo, mas soube da sua atividade anti-revolucionaria só bem depois do golpe.

Aqui o meu segundo encontro distante com o Vlado. Foi em 1975 ou 1976 – acho que este – quando ele foi assassinado. Na época, eu estava com o Roberto Campos na Embaixada de Londres. Foi a única vez em que estive e não estive fora do jornalismo. Explico.

O Geisel decidiu ficar livre do Campos, que fazia duríssimas e severas criticas ao monopólio estatal do petróleo e à política econômica estatizante do Geisel, que havia sido presidente da empresa antes de assumir o governo. E isso com o total apoio do Estado, por meu intermédio. Campos, o Estado e eu fazíamos intensa campanha contra todos os monopólios – petróleo, informática, telecomunicação – em sucessivos e agressivos artigos dele, reportagens minhas e editoriais que eu também escrevia...

O Geisel mandou o Campos para Londres. O Campos me convidou para ir com ele para ser assessor. Eu disse que dependia do Estado, não de mim. Ele falou com o Julio Neto, que concordou, desde que fosse por pouco tempo. O Julio queria que eu me aprimorasse e aprendesse mais sobre economia. O Campos falou com o Golbery, pois precisava do aval do Geisel. E o Golbery disse ele podia me levar “mesmo porque assim o Geisel se livrava não de um, mais dois críticos de sua política estatizante e do monopólio estatal do petróleo”.

Mas eu não quis ser nomeado para o Itamaraty. Não aceitava ser funcionário publico. Nunca aceitei, mesmo quando a Folha me despediu em plena lua de mel. (Eu havia casado no dia 25 de janeiro e fui despedido uma semana depois...)

O Campos me colocou como contratado local, com um salário irrisório, para Londres,US$ 1.500. O aluguel do apartamento era de US$ 800.

O Julio Neto impôs outra condição além de eu ficar por pouco tempo (e fiquei mesmo só um ano e meio): eu tinha que continuar escrevendo para o jornal e, para ajudar minha família de mulher e três filhos, que não podia ir para Londres, o Estado continuaria pagando o meu salário no Brasil.
Mas havia um problema: como assinar quando eu estava na Embaixada? O Julio neto inventou um pseudônimo, Altino Tavares. E, de Londres, por meio de um teletipo anônimo e fora da Embaixada, o Altino continuou criticando a política econômica do Geisel seguida de duros editoriais que “nós” (Campos e eu...) escrevíamos de Londres...

O ministro de Relações Exteriores, Azeredo Silveira, que tinha ciúmes e medo da cultura econômica e principalmente geopolítica do Campos, sabia que era eu, mas não podia provar. Também não sabia como conseguia mandar as matérias, pois ele havia cortado todas, absolutamente todas as verbas para gastos de comunicação, telex...

Eu estava em Londres, com o Roberto Campos, na Embaixada, como adido de imprensa e cultural, quando mataram o Vlado.Chorei como uma criança. Eu gostava muito dele. Senti-me ultrajado. Violentado com aquela violência desnecessária e estúpida dos militares.

No mesmo dia fui ao Campos e pedi demissão. Os correspondentes brasileiros em Londres, inclusive o Claudio Cuck, da Folha, iam todas as tardes tomar uísque comigo no pub da esquina. Desta vez, foram em turma me ver; eram uns 6 ou 7. Entraram na sala, caras tristes, algumas, chorosas, todos revoltados. Foi um silencio expressivo por alguns minutos. Aí disseram que haviam conversado e achavam que eu não podia continuar na Embaixada de um país que mata jornalista. Tinha que sair. Eu lhes disse que ia embora mesmo. Aí, um deles, não me lembro bem quem, acho que o colega da Gazeta Mercantil, lembrou que, se eu saísse, os militares iriam colocar no meu lugar um coronel qualquer (já havia dois adidos na Embaixada, um do Exercito e outro da Marinha.

Os colegas concluíram que isso seria pior e me pediram para reconsiderar e permanecer lá, informando-os sobre tudo o que pudesse descobrir. Eu passaria para eles e para o jornal. Foi o que aconteceu. Depois, soubemos que o Campos estava resistindo à pressão para colocar lá mais um militar...)

Naquela tarde sombria, saímos deprimidos da Embaixada para o pub da esquina e ficamos horas enchendo a cara. Fui para casa e encolhi-me num canto da sala - lembro-me tão bem disso! – e chorei, exclamando para mim mesmo: “filhos da puta, filhos da puta, vocês mataram o Vlado.” Fiquei mais alguns meses, mas não tinha mais coragem. Sai em meados de 1976. Eu sentia deixar meu aprendizado de economia e geopolítica com o Campos, mas não havia mais condições e o Julio estava me chamando de volta.A pedido do Campos só fiquei até a visita de Geisel e para ajudar os colegas a se livrarem da mordaça do Itamaraty imposta pelo então homem de imprensa, o diplomata Guy Brandão, na cobertura da comitiva do Geisel. Ele disse aos jornalistas que somente ele e ninguém mais poderia dar noticias, o que conseguimos burlar galhardamente... Acredite Nemércio, nunca vi um desfile de tantas vaidades ao mesmo tempo...

E foi esse o meu segundo encontro com o nosso Vlado. Só que ele não compareceu. Já estava morto.


Alberto Tamer - Jornalista

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Surpresa no Estadão

Nesta quinta-feira saiu uma bela matéria no Estadão (reproduzida abaixo). Na versão on-line do jornal é possível deixar comentários sobre a matéria. Assim como a alegria de ver uma matéria muito bem escrita, veio a surpresa e tristeza do primeiro comentário sobre a matéria, dizendo que nós do Instituto estamos criando algo para mamar nas tetas do Estado. Que Vlado se matou e que tudo o que estamos fazendo é um absurdo. Assinando o comentário: Anônimo

Levei um tempo para digerir algo que eu não via há mais de uma década. Um manifesto da linha mais reacionária possível, trazendo à tona questões que eu já imaginava terem sido superadas pela totalidade da nossa sociedade.

O que vemos em momentos como este é que infelizmente há um grupo que se utiliza de ataques anônimos colocando as mais diversas iniciativas dentro da vala do comum - porém do comum da pior qualidade. Há uma facilidade enorme das pessoas em difamar outras pessoas, iniciativas que as quais nem se dão ao trabalho de procurar entender e que passam a vida propagando a desunião.

Para minha alegria, no decorrer desta quinta-feira começaram a aparecer comentário de perplexidade às estas manifestações reacionárias. É claro que eu nunca tive dúvida que a maioria de nós quer um Brasil melhor para todos. Que apesar de apenas uma minoria se dispor a arregaçar as mangas para trabalhar por este ideal, este pequeno grupo ainda é infinitas vezes maior que àqueles que preferem atirar pedras naquilo que não conseguem entender.

Estou aprendendo que como parte deste processo de criar um organismo público estaremos sujeitos aos mais inesperados ataques. São articuladores que sobrevivem na sua ignorância ou opção de não querer entender os fatos que compõe a história da nossa sociedade. Do nosso país.
Mais do que nunca a missão do nosso Instituto se mostra extremamente correta:

Contribuir para a reflexão e produção de informação voltada ao Direito à Justiça e ao Direito à Vida

Justiça e Vida. Que estes indivíduos que anônimos saiam das trevas e também lutem pelo o que acreditam. Estamos montando um projeto de traz a reflexão e a informação. Isto só é alcançado pelo debate aberto e democrático. Somos promotores do debate. Estamos a sua disposição.

Ivo Herzog

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Uma casa para Vlado vivo

Artigo do Estadão de 14/05/2009

Família e amigos criam em junho, quando jornalista faria 72 anos, o Instituto Vladimir Herzog

Gabriel Manzano Filho

A tarefa dos homens, a cada tempo, não é só preservar o passado, mas realizar as suas esperanças. Foi nesse famoso pilar, plantado pelo filósofo Walter Benjamin, que se inspiraram a família e os amigos de Vladimir Herzog para dar uma virada em três décadas de homenagens rotineiras e anunciar, para o dia 25 de junho, a criação do Instituto Vladimir Herzog.

A data diz tudo. "No dia 27, meu pai estaria completando 72 anos", lembra o engenheiro Ivo Herzog, 42 anos, filho mais velho do jornalista. "O que queremos é que ele e o instituto sejam identificados com a vida, com o hoje. Com a figura do Vlado ativo, jornalista, fotógrafo, cineasta, ligado a rádio e TV, professor da ECA. Um homem multimídia, como tantos de hoje, mas bem à frente de seu tempo. E também ligado à defesa dos direitos humanos", diz ele.

O ministro Paulo Vanucchi e autoridades ligadas à causa devem comparecer à cerimônia de fundação, na Cinemateca. O programa incluirá homenagens a dom Paulo Evaristo Arns, ao rabino Henri Sobel e, in memoriam, ao pastor James Wright - as figuras que deram apoio à família e enfrentaram a ditadura quando Vlado foi morto.

A ideia, que já existe como site, surgiu há um ano. Ivo, sua mãe Clarice, o irmão André e muitos amigos estavam insatisfeitos com a imagem que ia ficando de Vlado - morto, pendurado numa janela, numa montagem grosseira para simular seu suicídio. Queriam, além disso, retomar uma participação mais direta no prêmio Vladimir Herzog.

Além disso, antecipa Clarice, o plano é criar um espaço físico em que se reúna a documentação - textos, fotos, filmes - para que seja usada por estudantes, principalmente. "Somos sempre procurados para falar dele, contar como tudo aconteceu naquele ano, reviver a história. Isso tem de ser organizado", avisa a empresária. Daí a missão do instituto: "Contribuir para a reflexão e produção de informação voltada ao direito, à justiça e ao direito à vida."

Mas há um longo caminho pela frente. Com apoio de várias instituições, como OAB, ABI, Sindicato de Jornalistas e Comissão de Justiça e Paz, o grupo tem de correr atrás de recursos. Uma das saídas é aLei Rouanet. Fisicamente, ficarão de início em um prédio da Bela Vista. E a nova entidade chega com mudanças no prêmio: agora estudantes poderão inscrever seus projetos de matérias e as melhores ideias serão patrocinadas.

O jornalista Sérgio Gomes, velho amigo dos Herzog, é um dos entusiastas da causa. "O Vlado era um multimídia já naquela época. Mas por que lembrar só dele? E os outros, suas esperanças e lições? E como viver na prática, hoje, o que todos eles sonhavam?"

Outra das ideias é valorizar o que chamam de "direitos humanos intangíveis" - temas como corrupção ou atentados ao meio ambiente, cujo estudo vão valorizar.

E para sua luta Ivo traz à memória um episódio recente com dom Paulo. "Foi ele quem primeiro nos acendeu a chama, em um encontro no qual me passou um pequeno pedaço de papel. Pedia que, pela memória de meu pai, fizéssemos alguma coisa na direção de paz, solidariedade e vida", recorda. Ele espera que o instituto seja a resposta.

Para ler a matéria no site do Estadão, basta clicar aqui

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A luta pela anistia: 30 anos

" É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado). Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. "

O trecho acima transcrito compõe o artigo 1° da Lei de Anistia, assinada em 28 de Agosto de 1979, pelo presidente João Batista Figueiredo. Nos dias atuais, 30 anos após a lei, muito já se foi discutido a respeito do assunto, seja em universidades, escolas, centros culturais ou meios de comunicação.

Para fomentar ainda mais este tipo de debate, o Arquivo Público do Estado de São Paulo se une a alguns parceiros e realiza o Seminário Internacional "A luta pela Anistia: 30 anos", e 11 a 15 de maio, no Memorial da Resistência (Largo General Osório, 66 - Luz), com entrada gratuita. Visualize a programação clicando aqui.

Complementando a programação do Seminário, de 12 a 17 de maio, a Cinemateca brasileira apresentará uma seleção de filmes que abordam o impacto que os anos da ditadura causaram no cenário nacional, visando ampliar os questionamentos dos temas abordados na atualidade. Para conhecer a programação completa dos filmes, basta clicar.

Thais Veiga