Queridos amigos:
O melhor prêmio que
se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir trabalhando. Somos
escravos do efêmero, vítimas da fragmentação. Assim como fazem com equipamentos,
querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar. O reconhecimento é
a nossa chance – ainda que fugaz -- de
avisar que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais
do que medalhas de ouro – aliás, a única que recebi nos últimos 60 anos foi
roubada num arrastão no meu prédio. Este momento jamais nos será roubado, vale
mais do que ouro.
Também sabemos conviver
com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o inspirador deste prêmio,
os objetivos da premiação e os companheiros premiados simbolizam os
mais preciosos valores da arte jornalística -- solidariedade, decência,
dedicação.
Esta é uma
festa, mas não devemos esquecer a suprema ironia de, sendo arautos das
mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre
estamos aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto
por neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”,
“out-sourcing”, sinergia, “aliança estratégica”.
Éramos marginais
no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois nos transformaram
em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem, seremos
empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram espaços. Mas,
por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais porque de lá voltarão
emitindo grunhidos com 140 caracteres.
O Senhor Mercado
imagina que o mundo é movido por gadgets, o Senhor Mercado engana-se mais uma
vez: o mundo é movido por idéias, por gente. Socrates, pai da filosofia, não conhecia
as tecnologias de informação, não sabia ler nem escrever, estava apenas
conectado com a condição humana e inventou o diálogo.
A informação hoje ou é codificada através de números
ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um vale-tudo que virou
retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da moral está a
reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje querem de nós apenas
meias-verdades. Às vezes, nem isso, apenas meias meias-verdades. Desde que
abençoadas pelo capelão da empresa. Deo gratias
Mesmo assim,
estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog, irmanados
pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas sabemos
desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa especialidade.
A absurda tese
do suicídio de Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto
nas dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente
um dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi
submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da imprensa
marrom chamado Claudio Marques que sugeria cinicamente sua internação no “Tutóia
Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.
Herzog era
tímido, não me conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de
difamação contra ele empreendida pelo colunista do “Shopping News”. Fiz uma
denúncia no “Jornal dos Jornais”, não adiantou: uma semana depois, Vladimir
Herzog foi assassinado. Claudio Marques, jamais foi convocado a prestar contas
sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da “Folha de S. Paulo”, fazia
parte da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel
Erasmo Dias, assíduo em outras redações paulistanas.
Cabe a nós
completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio ou sem
prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados jamais seremos
descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem papel,
nosso papel é intransferível.
Alberto Dines
http://educaforum.blogspot.com.br/2012/10/crime-contra-humanidade.html
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